segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Gritos silenciosos d'uma mente comum.


João tinha 16 anos e sempre preferiu o isolamento ao convivo social. Nascera em uma cidade pequena e vivia com a mãe viúva, que o havia criado sobre grandes dificuldades financeiras.
A mãe de João vendia roupas que comprava na capital e vendia em sua cidade sobre uma taxa de lucro de 150%.
Ela tinha apenas a João e ele tinha apenas a si próprio. Isso ficou claro para João quando sua mãe tornou-se uma amante de um empresário na capital; onde ela (que ainda era uma mulher jovem e bela) dava seu corpo em troca de uma mesada pra manter-se na capital.
Ela dizia que o que fazia era exclusivamente pensando no futuro de João, que tinha nojo do velho burguês. João aceitava calado, mas pensava consigo mesmo que, se o que ela dizia fosse verdade, no quanto fingia bem. Fingia bem quando o velho aparecia no apartamento e faziam o sexo mais barulhento e escandaloso no quarto ao lado do de João. Os gritos em maior parte eram de sua mãe. Fingia bem quando o velho mentia uma viajem de negócios à sua família e passava uma semana inteira com sua mãe; que por consequencia, ficava nua em casa durante toda a temporada. Sim, sua mãe era uma grande atriz.
João trancava-se no quarto, mas mesmo assim não encontrava paz. As noites em que o velho visitava seu quarto e passava a mão em seu corpo nunca seriam apagadas de sua memoria.
João cresceu e começou a frequentar uma escola. Aos 13 anos foi estuprado pela primeira vez, e sujou os lençóis de sua pequena cama de solteiro com seu sangue misturado com o sémen do velho. Aos 15 anos começou a sair de casa e a trabalhar; juntamente quando o velho cessou com os abusos e começou a espancar sua mãe em todas as vezes que os visitava.
Toda aquela vida suja foi acumulando-se e formando uma bola de podridão que era alimentada pelo medo e silencio de João. Um vulcão que precisava de um impulso leve pra entrar em erupção.
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Certa manhã conheceu uma garota enquanto fazia uma das entregas da gráfica em que trabalhava. Ela morava nos fundos d'uma papelaria. Tornaram-se amigos; amantes algum tempo depois. João matava horas de seu expediente para vê-la. Em algum tempo, a garota tem um bebê. Um bebê de João. Foram morar juntos em um quartinho próximo do bairro mais pobre da capital logo após que a garota é expulsa de casa. João a amava; amava com toda a intensidade que lhe permitia a sua alma.
João arrumou um emprego numa boate como segurança e sua esposa trabalhava num dos escritórios do velho amante de sua mãe.
Numa dessas manhãs nubladas que acontecem somente uma vez em cada verão; João é abordado na rua por um colega de seu trabalho. O amigo estava em prantos, suado e sem fôlego e dizia: "João, meu amigo, você precisa ser forte!".
A noticia da morte de sua esposa e seu filho foi uma topada que a vida lhe deu. Uma topada maior do que seus joelhos poderiam suportar. Sua amada chegava em seu trabalho com o bebê em seus braços quando foi atropelada pelo carro do velho burguês (o amante de sua mãe), que dava uma marcha-ré distraído.
A família da moça (a mesma família que lhes viraram as costas) agora moviam uma ação contra o velho. O advogado do velho alega inocência do réu, pois estava dirigindo sem os óculos e pedia uma punição mais branda. Ofereceu uma regratificação à família da esposa de João, que foi aceita com muito gosto.
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João sentiu que estava caindo num circulo paranóico dentro de sua mente e que seria quase impossível sair. Olhava pela janela de seu apartamento e via as pessoas tão pequenas lá embaixo; via a calçada tão atratíva quanto uma piscina. Queria mergulhar... se jogar.
Certa noite João vagava pela cidade e, enquanto acendia um cigarro, encontrou um velho amigo de escola que se tornara pastor de uma igreja protestante. Pensou que pudesse encontrar paz nas palavras desse velho amigo e confidente e contou-lhe sua historia.
João fez silencio após relatar tudo o que achava que poderia ser dito e era como se o mundo parasse enquanto o pastor dizia, variando entre uma voz mansa e vez ou outra firme e autoritária, que talvez ele devesse procurar algo que ocupasse a sua mente, que lhe mostrasse que não era essa a realidade que o meio lhe fazia engolir goela a baixo; mas sim aquela que ele poderia encontrar em si mesmo.
João refletia sobre isso. As palavras do seu ex companheiro tocaram sua mente como se lhe clareassem os olhos e lhe mostrassem o único caminho a se seguir: Conhecer a si próprio.
Mas como conhecer a si próprio? Uma pessoa que passa toda uma vida sobre forte silencio interior deve sim conhecer a si próprio.
João depois de um certo tempo voltou a trabalhar na porta da boate.
Certa noite ele viu um grupo de jovens, com umas cartelas nas mãos, gritando e sorrindo "Ácido mostra a verdade!".
João foi pro apartamento e trancou-se no quarto. Conseguir uma cartela de ácido não é tão difícil quando suas noites são restritas à festas em boates. Agachou-se em um canto qualquer e engoliu seco o comprimido. Logo sentiu sua mente perder o fio da razão como um fio de lã que um gato puxa e logo desaparece.
As paredes de seu quarto começaram a desmanchar e ele viu diante de si uma escada para o paraíso, e no topo estava Deus. Notou que aquilo que ele via lhe surgia independente de seus olhos estarem abertos ou fechados.
João flutua e sobe aos céus e quando chega vê um dragão com a face do velho, e ele lhe sopra uma labareda de fogo, mas João não se fere e continua de pé. Ao lado de Deus ele vê um anjo com a face de sua esposa que lhe beija e diz "Não há mais medo forte o suficiente que possa lhe ferir" e ela o abraça.
De repente sua voz muda e ela diz "Faça amor comigo"; e João a pega pela cintura e deita seu corpo - que agora aparece nú - sobre a mulher.
Depois de fazer amor com a mulher, João dá um suspiro de alegria e olha o rosto da mulher nua e vê sua mãe. Ela diz "Venha comigo" e ele reluta contra sua consciência que grita "Ela é sua mãe!" e seu desejo incontrolável de tomar aquele corpo ao seu. João faz amor novamente e abraça a imagem do anjo; porém esse momento de paz é quebrado quando o dragão sopra novamente uma labareda de fogo sobre João.
Como da primeira vez, o corpo de João estava intacto; porem o anjo estava morto ao seu lado. João sente um aperto no peito e cai num pranto incontrolável.
Ele ouve a voz de Deus em tom de trovão dizer "Maldito seja você, Dragão, que destruiu tudo o que existia de bom aqui neste lugar!" e João abre os olhos e se vê em seu quarto e nota que o dia amanheceu.
Seu celular toca e ele atende. Do outro lado ele ouve a voz de Deus que diz: "Agora você sabe quem é o culpado!".
(...)
Na noite do mesmo dia é encontrado o corpo de João sobre o corpo do velho e uma carta em suas mãos que dizia:

"Quanto a ele, fiz com minhas próprias mãos...
Quanto a mim, Deus fez com sua voz em minha mente...
Ele não se cala, ele não vai embora... Não mais."

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