quinta-feira, 19 de agosto de 2010

(Re) Viver.

Estive em um local escuro e úmido. O inferno era o total inverso que a cultura me fez acreditar durante a vida. Havia um homem vestido com roupas rasgadas, umas botas velhas e fedorentas que me dizia: "Siga em frente."
Fui. Andei por dias e não me cansei ou senti fome, mas senti frio; o que era estranho pois não havia mais corpo físico. Eu simplesmente andava.
Ao meu lado, eu passava por arvores secas e arbustos mortos. O homem que me seguia disse que seu nome era Gabriel e que era o chefe dos quatro anjos favorecidos.
Pensei em perguntar-lhe aonde estavam eles, mas como se lesse meu pensamento já disse "Mortos!". Ele disse que era um anjo também, mas que com a morte de Deus ele tornara-se consciência, como eu.
Essencialmente pensamento e só; assim como eu após morte.
Perguntei então por que ainda devia seguir por aquela estrada.
Ele respondeu: "Ainda existe a hierarquia. Você não foi digno da herança do Altíssimo; então o inferno será sua morada.".
Espantei-me com a resposta e calei-me por três dias. Comecei a acreditar que meu castigo seria vagar eternamente.
Gabriel olhou ao seu redor e disse: "Eis aqui o paraíso."
Levantei minha cabeça e notei que o cenário era o mesmo que estivemos todo esse tempo. O local era nublado e havia folhas secas na estrada. Perguntei: "Que faço eu aqui? Não devia estar no inferno? Este caminho a que seguimos todo este tempo é o paraíso?"; e comecei a chorar e gritar de dor, desespero e desesperança.
Gabriel gritou firme: "Não enlouqueça!". Calei-me e ficamos três meses ali, sentados naquele lugar.
Gabriel disse que o corpo necessita da alma tanto quanto a alma precisa do corpo. Se um morre o outro apodrece. Explicou-me que meu corpo físico morreu e minha alma estava enlouquecendo.
Entendi que não há diferença no que se diz de alma e consciência.
Perguntei por que o paraíso era tão cinzento, nublado e frio. Gabriel respondeu: "Logo que Deus morreu; seu paraíso apodreceu. Seus filhos estão podres interiormente." e contou-me que viu um a um dos seus anjos e arcanjos enlouquecerem, já que todos se tornaram consciência pós morte de Deus. Gabriel disse que também sentia sua razão fugir de si mesmo vez ou outra e que o equilíbrio que tinha vinha de seu trabalho em tentar manter o sistema de Deus ainda em atividade.
Levantamos e andamos por aquele caminho por mais três anos. Chegamos num túnel escuro e Gabriel disse-me que a partir dali eu deveria seguir sozinho. Disse-me para que tomasse cuidado com o inferno. Despedimos e segui.
Temi por chamas e bodes/homens com tridentes. Chorei e me debati tentando parar e passar a eternidade no túnel, mas não conseguia. Parecia que minhas pernas não me obedeciam e eu não podia mais parar de andar.
Caminhei por 9 meses até que vi uma luz forte que quase me cegou. Chegara eu ao fim do túnel?
Olhei pra mim e me vi nú. Havia um cordão em meu abdomem e vi uma mão enorme que puxava-me para aquela luz. Havia muito barulho, cheiros e luz demais. Senti dor. Senti medo.
Vi então uma mulher de aparencia cansada, que pegou-me em seus braços disse-me entre sorrisos e lagrimas: "Bem vindo ao mundo; meu filho.".

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